gato e lãs

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Criando Monstros




Já nasceu no meio da mentira. Sua família mentia para ele. Sua vida era toda errada e ele cresceu no meio do erro. Foi assim que aprendeu a mentir.
No começo, as mentiras eram bobas. Coisa de criança. Mas conforme crescia avançava um nível na prática. Logo já estava mestre em fingir e omitir também. Havia apenas um porém: se o conhecesse logo de cara, talvez por intuição você não depositaria confiança,  mas bastaria um dedo de prosa para ele te convencer de tudo.
Ele não era bobo, sabia que muitas, talvez a maioria das pessoas no mundo soubessem mentir tanto quanto ele. Então acostumou-se a mentir sem sentir remorso. Para ele tudo era um jogo e vencia quem mentisse mais. Isso era até compreensível, já que ele nasceu no meio do “faz de conta” todo.
Porém, um belo dia  teve a chance que poderia mudar sua vida e que poucos teriam:  conheceu uma mocinha sincera. A mocinha sincera parecia um presente divino, um anjo que caiu na Terra e que só faltava estar embrulhada. Ela era delicada e tinha a voz suave.
Encantou-se pela tamanha sinceridade da mocinha. Apaixonou-se instantaneamente, tanto que para ela, ele não queria mentir. Sabia que a mocinha só merecia verdades.
Além da menina ele ainda conheceu a família dela, pessoas tão honestas, humildes, sinceras e raras, tão diferentes da família dele. Ele pensava que na vida da mocinha, era tudo tão certo. E era.
Mas foi então que ele não resistiu e começou com o primeiro ataque, só para conquistar a mocinha. Teve que mentir, mesmo não querendo, mentiu para ela pela primeira vez. E não foi só a mocinha quem acreditou, a família dela também.
Depois disso vieram sucessivos ataques de mentira e omissão. Ele a amava por demais, mas simplesmente não conseguia parar, estava acostumado a mentir e não sabia explicar isso. Pela primeira vez começou a bater o remorso. Ele estava mentindo para pessoas que não mereciam. Desesperou-se. Era tarde, já haviam se passado meses e a coleção de mentiras que contara estava quase completa.
De tanto remorso, um dia olhou-se no espelho e sentiu vergonha. Percebeu que sua vida toda era uma mentira e que o único sentimento verdadeiro que sentiu por alguém, havia ele próprio, transformado em rascunho de mentiras.
Estava ciente de que a verdade mais cedo ou mais tarde viria à tona, porque a verdade sempre vem. Ele iria perder aquela mocinha sincera e toda a sua família também. Estava ciente de que nunca mais encontraria pessoas como aquelas...
Quando as verdades vieram à tona, a sensação foi de fracasso. Ele viu a mocinha amada e toda uma família de gente honesta (que o recolheu de braços abertos), chorar. Todos estampavam a decepção no olhar.
Então ele foi embora e quando chegou em sua casa, viveu o último sentimento de verdade que teria em toda a sua vida: tristeza. Provou da dor que corroeu-lhe o peito e suas pernas trêmulas fizeram-no agachar-se no chão. Chorou. Chorou de indignação com ele mesmo, chorou de saudade. Guardou aquelas lágrimas na memória, como se fossem pedras preciosas, porque ele sabia que nunca mais seria capaz de amar alguém de verdade novamente. Aquelas lágrimas foram tudo o que restou.
Demorou um pouco, mas quando ele pode se recuperar da dor voltou a mentir... Começou a viver de amores e amizades de mentira. Mas se conformou. Sua vida era uma mentira. Conquistava tudo o que queria através de mentiras e gostava de se enganar com a falsidade ao redor. Gabava-se de uma felicidade ilusória.
Passaram-se anos desde então, tantos anos que mal se lembrava da mocinha sincera que ficou no seu passado. Ele se entretia com seus amigos de mentira e falsos amores. Entre goles de bebida e risadas vazias, mal podia pensar naquela mocinha que ficou para trás.
Foi aí que um dia, teve uma surpresa, estava ele em um bar requintado quando avistou a mocinha de longe. Ela já não era mais uma mocinha, era uma mulher feita. Ela estava com um cigarro entre os dedos e cercada de amizades que ele bem conhecia. Observou-a de longe toda a noite, chocado com cada cena que via. Nunca pensou que a veria, muito menos naqueles trajes, bebendo daquela forma e rindo alto em um tom vazio. Ele a viu lançar olhares mentirosos a três homens diferentes que a cobiçavam. Ela deu falsas esperanças aos três. No final da noite ela beijou dois caras com quem nem sequer havia flertado antes. Ela se insinuava e se exibia de tal forma que nem parecia saber o que estava fazendo.  Continuava linda, mas jogava mentiras pelo ar com uma frieza imensurável.
Por um instante ele quase correu ao encontro dela. Teve vontade de agarrá-la e perguntar o que ela estava fazendo. Teve vontade de dizer que aquilo tudo não era para ela. Teve vontade de gritar que ainda a amava! Mas quem era ele para exigir algo?
Ele olhou para sua acompanhante, uma garota com quem estava junto por alguns anos (este era seu último e falido romance de mentira que vinha durando), então conteve-se. Sabia que aquela garota com quem estava junto por alguns anos também não o amava de verdade, mas ele não queria trocar o estável pelo instável, já que a “mocinha sincera” já não existia mais. Despediu-se de sua acompanhante, alegando um mal estar.
Dirigiu seu carro perdido pelas ruas arrasado, tendo a certeza de que havia criado um monstro. Agora, tinha plena certeza de que sua vida estava fadada a ser uma mentira e de que ele e aquela mocinha que ficou no passado, seriam infelizes para sempre...

Joanna Catharina
17/09/2012

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